Ando sem fôlego. Minha respiração está curta. Curtíssima. Talvez um palmo do peito até o início do pescoço. O diafragma está paralisando. E não é só quando subo escadas, ou dou uma apressada. Não é também quando faço esforço. Poderia ser o calor, mas choveu, refrescou e ela continua curta. De tão curta parece que meus ombros se curvaram. Estou corcunda.
Fiquei aflita pensando nos motivos e quando eles surgiram — “poxa, poderiam ser inúmeros”. Poderia dizer que estou em sofrimento, só que não sou só eu: o mundo está em sofrimento! Não chega a ser grave e nem patológico, é só a vida e a constatação de que a gente fica triste. A gente sente fome, sono, faz sexo e também fica triste, às vezes por motivos sabidos, outras vezes por causas desconhecidas.
Acredito que quando essa tristeza vem e nos arrebata é porque a gente pode estar conectados com alguma onda de sentimentos que paira por aí. Semana passada foi o desastre de Brumadinho. Mesmo que eu tenha me reservado e focado minha energia e tempo não olhando tanto pra TV e nem para as notícias, mas procurando rezar por aquelas pessoas todas, não há como não ser atingido por uma avalanche de sofrimento e perda que pesam o ar que todos nós compartilhamos. O mesmo ar de Brumadinho, da catástrofe da Vale ou da rua e bairro em que acaba de acontecer alguma outra tragédia, é o ar que todos respiramos.
E o que deveríamos fazer quando nos damos conta de que estamos vivendo em uma teia interconectada, com acontecimentos e fatos causais e absolutamente incontroláveis? Seguir a vida simplesmente? Lamentar e tomar um café? Essa dor compartilhada que aperta nosso peito serve para quê, afinal?
O mundo está dividido entre os que acreditam que está tudo bem e temos que seguir assim de um lado e aqueles que não estão mais satisfeitos com o que se apresenta do outro. Ah, ok, tem alguns em cima do muro também. Mas todos — não preciso nem ser maga, bruxa ou adivinha —, absolutamente todos, estão em sofrimento. Temos males, dores, perdas, angústias, frustrações. Cada um com a sua forma e intensidade, mas unidos por alguma dor.
Mas e ai? Não deveria ser o amor a nos unir? Pois então, aí é que está a situação toda. A nossa “represa de resíduos emocionais” está prestes a se romper a qualquer momento.
Nos últimos meses, as polaridades políticas traziam o julgamento entre classe trabalhadora/produtiva versus classe operária/intelectual. Nessa batalha, quem ficou em cima do muro fui eu. Nem glamourizando a miséria e tampouco tornando divino quem emprega e produz. E, nessa tensão que leva às extremidades, aumentamos aquilo que corrói e fragiliza: seguimos focando e nos “unindo” pelas diferenças, raiva, julgamentos e falta de empatia. Todos farinha do mesmo saco. Seria ótimo estarmos juntos se os motivos fossem outros.
Estamos tão atolados em opiniões e dados contraditórios que quando me foco neles tenho dificuldades de tomar uma posição. Estamos desmatando muito ou pouco? Aposentadoria antes ou depois? Armas ou não? Se eu calar a minha voz, principalmente a minha tagarelice mental, tenho certeza que algumas respostas seriam óbvias. Se eu pensar com meu inconsciente, com meu poder intuitivo, único, verdadeiro, divino, encontraria as respostas. Mas seguimos lendo e vendo os fatos apenas com nosso olhar racional, imediato e raso ainda que tenhamos dados pesquisados em profundidade.
Se os dados e números fossem tão confiáveis, teriam os engenheiros de Brumadinho ido almoçar sossegados sabendo da possibilidade da barragem explodir? Será que tudo pode ser assim tão calculado? Se fôssemos apenas olhar para aquele mar de lama nada saudável, será que nosso coração ou nossa intuição não nos diria de imediato: fuja porque isso é perigoso? Por que a gente acredita tanto em dados?
A respiração da sociedade está curta porque está distante de si mesma. Estamos vendo, mas estamos cegos. A imagem está com véus. Precisamos parar tudo e voltar a alongar nossa respiração e reencontrar aquilo que nos mantém, de fato, vivos.
Vou voltar a respirar, fazer os exercícios que conheço e que minhas filhas já me alertam quando percebem que a coisa tá difícil — “Respira, mãe! Cheira a flor e assopra a vela”, elas dizem! Nem sempre é fácil, mas ninguém disse que seria. Estamos aqui para superar obstáculos.
Inspira e exala lento e beeeeeem devagar!
Perfeita reflexão, Stelita! Estava com saudade dos teus textos.
Adorei!!!! Tem uns que quero ler com muita calma, bem devagar …
Simplesmente magnífico Stela! Teu texto nos leva a ter maior consciência da inevitável mudança: calar e ouvir a nós mesmos e aos outros. Vamos fazer mais escolhas a nosso favor!
Muito bom Stella. Obrigada. Respirar é nossa única certeza….do primeiro ao último suspiro …. É o tamanho/dimensão /amplitude do nosso AQUI/AGORA.
Stelita querida, leio as tuas palavras na fronteira. No caminho de volta ao cotidiano. Precisei sair pra ver o mar. Pra respirar. Estava asfixiando por todas essas dores coletivas que nos assolam. Durante dez dias me abasteci de céu azul, horizonte, estrelas, ócio e amor. De tanque cheio me te reapresento ao cotidiano. Vivemos um tempo onde a recarga de simples coisas do cotidiano é subexistencia. Precisamos olhar pra cima. Ver as estrelas.
Belo texto, Stela. A única coisa que une a todos é a respiração. Então… fazer o quê?
Bora, respirar.