Vamos brincar que somos empresárias? Alice, minha filha de 7 anos, toda empolgada convidando uma amiguinha da mesma idade a começar um novo jogo.
“Xiii, lascou” – pensei.
Não sei você, mas acho que todo pai ou mãe sonham que seus filhos sigam sua trajetória e sintam-se realizados nas suas escolhas. Ser empresário não tem nada de ruim, toda e qualquer profissão é bacana e valiosa. Mas, por ser empresária, já conheço as dores e sabores dessa escolha.
Ainda na faculdade, defini abrir uma agência de propaganda com meus colegas. Eles eram muito talentosos e eu era, digamos, animada. Tudo fluiu de uma forma que não imaginávamos. Nosso plano era de um negócio passageiro que acabou ficando sólido e gerando frutos. Casamos, tivemos filhos, funcionários. A empresa aumentou e as responsabilidades também. Em um determinado momento reconhecimento não era mais tão relevante. Ganhar prêmios já não nos motivava – aliás nunca chegou a ser nosso grande motivador. Grana não chegou a sobrar, mas logo percebemos que abdicar de momentos com a família ou da nossa escolha de estilo de vida não compensaria em nome dos lucros.
E aí? Afinal, para que a nossa empresa existia? Apenas para promover produtos e mais e mais consumo? Isso não fazia sentido. Pessoalmente, iniciei uma busca por algo que desse mais significado a minha existência e, em paralelo, com meus sócios, nos dedicamos a entender de que forma poderíamos fazer do nosso sagrado ofício algo que fosse relevante.
A minha principal descoberta foi a espiritualidade. Nada relacionado à religião, mas àquela percepção de que existe algo intangível que não está sob nosso controle e que atua em nossas vidas. O merengue misturado no chocolate quente. Ops! para não desandar esse merengue, é melhor não aprofundar muito esse assunto. Melhor sentir.
De qualquer forma, percebemos que para continuar tendo resultados reais para as empresas e marcas para quem trabalhávamos, e para nós mesmos, precisávamos fazer algo diferente. Essa percepção, mesmo que inconsciente, vem de sempre. Porém, há cerca de quatro anos, objetivamos melhor esse propósito, e mesmo sabendo que estamos só começando já nos sentimos bem mais confortáveis com nossas novas escolhas.
As pessoas estão insatisfeitas. O modelo tradicional de relação corporativa com seus clientes, funcionários e fornecedores está chegando próximo de um colapso. As pessoas estão cansadas, com muitas dores e reprimindo diariamente uma dose mortal de emoções. A conta disso tudo acaba recaindo sobre as empresas, muitas porque ainda não despertaram para essas mudanças e outras, que até gostariam de experimentar novos formatos, porque não têm referências pra isso.
Há algumas semanas assisti a palestra “Spirituality meet Business”, com o Gustavo Tanaka. O evento foi em um auditório da UFRGS e tinha mais de 100 ouvintes, todos sedentos e aparentemente compartilhando dos mesmos dilemas que o palestrante passou na vida. Com apenas 30 anos, Gustavo, a exemplo de tantos outros jovens, já percebeu que o modelo vivido por seus pais já não serve mais. Estudar, conseguir um bom emprego, casar, ter filhos e permanecer assim até o final da existência não fez sentido. E esse sentimento fez eco para muitos dos que estavam ali presentes e para milhares que compartilham e seguem o Gustavo e sua trajetória nas mídias sociais.
Tanaka é um dos fundadores da Baobba, uma empresa livre e sem hierarquias. As pessoas que trabalham lá têm liberdade para aderir a outros projetos fora do trabalho e a fazer seu próprio horário. Gustavo falou em fluxo, e que percebeu uma grande diferença quando deixou de lado as coisas que demandavam esforço intenso. A partir daí, outros projetos passaram a fluir melhor. Não que isso signifique deitar numa esteira e tomar água de coco, mas entender que determinadas demandas absorvem a nossa energia e trazem poucos resultados. É aquela velha história de deixar ir aquilo que não te pertence.
Como a vivência da empresa livre ainda é muito recente, não dá pra dizer se é um modelo bacana a ser experimentado. Pessoalmente, acredito que a hierarquia é uma condição que o ser humano sempre colocou nas suas relações sociais. Mas a liberdade de horários baseada em um exercício de confiança e a possibilidade de membros da equipe absorverem projetos externos me pareceu bem interessante.
Uma outra fonte de inspiração é um dos livros mais bacanas que li recentemente: Capitalismo Consciente. O livro incita as empresas a buscarem um propósito para sua existência. Não apenas um slogan ou conceito publicitário. Algo que demonstre a intenção de seus fundadores, estimule os funcionários, dê motivação a todas as partes envolvidas no negócio, transmita verdade na comunicação e em todos os pontos de contato e, por consequência, gere respeito e possível identificação dos consumidores. Esse livro foi recomendado por um dos empresários símbolos do capitalismo nacional e tem como um de seus autores outro do setor varejista americano, dono de uma cadeia de lojas de supermercados e que, pasmem, pratica meditação, yoga e é vegetariano. Parece até que empresário também tem coração, gente?!
Incrivelmente, percebo que vários caminhos e novas experiências estão surgindo. Há menos de três anos, não ousaria falar em público sobre coisas assim. Mas quando muitos exemplos pipocam por todos os lados é um importante sinal.
Já está mais do que claro que não suportamos mais as instituições, o governo, a política existente ou até mesmo as relações afetivas da forma como conhecíamos até uma década atrás. Estamos todos em busca de novas alternativas que possibilitem um aprendizado das vivências futuras que gostaríamos de ter. E isso, inegavelmente, precisa passar por um olhar e uma mudança dentro de cada um de nós. Olharmos quem realmente somos, e o que nos deixa felizes de forma genuína. Se as nossas empresas são o lugar em que passamos a maior parte de nossas vidas, seria um belo ambiente pra inciar essa mudança, não?
Que a mudança é necessária, é óbvio. Certamente, ainda não descobrimos a forma. Ontem mesmo, disse que me sinto uma capitalista para líderes de movimentos sociais e uma sonhadora para os capitalistas. Talvez um dos caminhos para definirmos um novo formato para as empresas é nos perguntarmos qual é o sonho que está por traz de cada um de nós, o que nos motivou a abrir essa empresa e o que gostaríamos que o mundo sentisse por ela caso amanhã ela deixasse de existir.
Talvez nem todos mereçam a santidade ou a condenação, mas acredito naqueles que estão verdadeiramente em busca da sua essência de empreender em prol de um mundo melhor.
Esta é a essência que quero seguir.
Ótima reflexão! A sociedade está subindo em uma escada na busca da qualidade de vida X produtividade. Podemos produzir muito, em menos tempo! Mas para tanto, precisamos acreditar no que fizemos, estar integrados na essência do projeto/ negócio. O dilema a ser superado nesta “subida ” está associado a crença no degrau da escada de todos os que sobem juntos. O que não é possível é um montar o degrau e o outro quero ser puxado! Temos muitos desafios pela frente, mas ter a consciência dos dilemas já é um degrau importante da evolução!
Fico contente em saber que existem mentes que enxergam a questao “espiritualidade” no ambito corporativo.
Belissimo texto professora.
Parabens!