Minha senhora, cadê a compostura?

madame

De acordo com a teoria do cérebro trino de MacLean, há cerca de 500 milhões de anos, o modelo de cérebro existente era o reptiliano. Sem emoções esse cérebro desempenhava função única da sobrevivência, nem que para isso o crocodilo precisasse dar cabo de seus próprios filhotes. Mais recentemente (quase ontem), há cerca de 250 milhões de anos atrás, o cérebro mamífero evoluiu e foi envolvido ao redor do antigo cérebro reptiliano gerando as fortes emoções como raiva, apego, mágoa, agressão. Somente há 50 milhões de anos o neocórtex evoluiu com a sua maior capacidade de pensar racionalmente. Ou seja, nesta nossa existência, a gente está mais pra lagartixa do que pra macaco.

Cada nova etapa nessa escala de evolução não exclui a anterior. Portanto, as estruturas do cérebro que asseguraram nossa sobrevivência no longínquo passado ainda estão ativas no nosso interior. Dentro desse contexto, há uma frase que gosto muito e que lembra que quando estamos falando com um ser humano estamos ao mesmo tempo falando com um cavalo e um crocodilo!

Fui buscar a referência teórica nas minhas apostilas do curso de Biospicologia  para a gente entender um pouco essa nossa “humanidade”.

Estamos vivendo tempos cabeludos. Ontem, um querido amigo me ligou para compartilhar o que havia ocorrido com ele. A caminho de uma reunião na capital paulista, em plena sexta-feira com protestos explodindo pela cidade, percebeu que se atrasaria alguns minutos em função do trânsito e decidiu avisar o cliente. A surpresa foi quando esse cliente despejou o vocabulário da infâmia por completo pelos quinze minutos de atraso.

Parece que as pessoas andam descontando gratuitamente seus vales-emoções-primárias: “tome aqui a minha raiva, eu sou uma pessoa cheia de mágoas e ninguém mandou você aparecer na minha frente”.

A vantagem das redes sociais é que isso agora pode ser feito em escala e sentado na poltrona, com apenas alguns cliques. Vou ali escolho a minha vítima, despejo minha desgraça e sinto um alívio momentâneo. Quase um Prozac digital. Usando a mesma defesa de um outro amigo que sofreu uma agressão “xoxial mídia”: “minha senhora, cadê a compostura”?

Estamos acessando nosso cérebro mais primitivo. Será que alguém aí pode ligar a luz da racionalidade? Ou melhor, “a luz das emoções mais nobres”? Debates e reflexões são extremamente importantes. Nada evolui sem isso, já que toda unanimidade é burra como já dizia Nelson Rodrigues. Mas o que aparece, em vários momentos, é o apego que cada um tem a sua opinião seu ponto de vista. O ego fala mais alto e “a minha convicção é que é a correta; não posso ouvir outros argumentos sob pena de falir do ponto de vista intelectual”.

Viktor Frankl, que desenvolveu a Escola Psicoterapeuta da Logoterapia através da sua experiência como prisioneiro em Auschwitz, comenta a agressão como síndrome de massa. Ele citou em seu livro Em Busca De Sentido o experimento de Carolyn Wood Sherif que observou que as agressões mútuas entre grupos de escoteiros só cediam terreno quando os jovens se dedicavam a um objetivo comum. Ele também afirma que as pessoas decentes são e sempre serão minoria e sugere: “… vejo justamente neste ponto o maior desafio a que nos juntemos a minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. Porém, tudo vai piorar ainda mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder”.

De tantas coisas que recebi nas minhas redes esta semana, a única que tenho vontade de compartilhar é um antigo vídeo que nos lembra, mais uma vez, que na unidade não existe dentro e nem fora. Muito menos lados. Ubuntu pra todos.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.