O Carnaval e as Pervincas

floreira de pervincas baixa

Sinto uma tremenda dor nas costas. Os músculos das coxas parecem ter levantado uns 100kg no leg-press. Efeitos dignos de treino fisiculturista.

Me acabei em um bailinho de carnaval? Nada disso, Juvenal! Resolvi fazer um canteiro de flores com as minhas filhas em uma terça-feira carnavalesca. Aquele momento-família-divertido-estilo-propaganda-de-margarina. Primeiro comprei as florzinhas. Tão bonitinhas. Várias cores, bem confete. Tenho gostado de cuidar do jardim. Nada que não tenha feito parte da minha infância. Isso sempre foi rotina na casa dos meus pais, afinal nasci na roça. Mas era uma rotina um tanto quanto ditatorial. Então, cresci e me afastei um pouco da terra. Mas essas coisas estão no DNA e uma hora afloram novamente. Ainda me faltam um pouco mais de conhecimento técnico e senso estético. Mas a experiência do fazer acaba sempre por lapidar qualquer rocha bruta.

Pois bem, convido as filhotas para juntas montarmos a floreira. Superanimação que não dura um minuto. Talvez trinta segundos. Acho que menos, porque trinta segundos renderiam um bom filme publicitário. Logo a mais velha se embrenha no mau-humor porque precisa arrumar o quarto antes da jardinagem. E enquanto estamos eu e a mais nova tentando salvar a empreitada, ainda ouvimos os soluços da pré-adolescente que se esforça em nos fazer ouvir o tamanho do seu desapontamento. Dez minutos na arrumação do quarto e uns 30 na tentativa de mostrar ao mundo o quanto está sofrendo por essa perda irreparável. Essa injustiça completa. Enquanto estou ali, na beira da janela dela, ouvindo (em alto e bom som) seus lamentos, tento usar da psicologia: “filha, teu pai pediu pra tu arrumar o quarto, tu levou minutos pra isso e agora tá perdendo o triplo disso sofrendo. A escolha é tua, pensa bem!”

Nada, insucesso total. Horas vinha até a janela e quase tocava a terra que mexíamos com sua tromba gigante. Novas tentativas, ofertas de outras interações… Sem chances. De fato, me fez refletir em quantas vezes faço isso diariamente. Pequenos desagrados que me fazem escolher pela total insatisfação. No livro que estou lendo — “A Gata do Dalai Lama”, e que vai valer um post só pra ele — há um trecho que diz: “A maioria das pessoas pensa que a úncia opção é mudar as circunstâncias. Mas, essas não são as causas verdadeiras da infelicidade, mas sim, o modo como elas pensam sobre as circunstâncias”. Refere-se a uma monja e seu trabalho em uma prisão tentando encorajar os apenados que parassem de pensar no tempo de carceragem como um desperdício da vida, mas como uma grande oportunidade de crescimento pessoal. Forte, não? Ninguém quer comparar sua vida a de uma prisão, mas garanto que, assim como eu, há momentos (talvez inúmeros) em que nos sentimos aprisionados e sem opção. Talvez seja a hora de mudar a forma que pensamos e não as circunstâncias..

Quando faltavam apenas três plantinhas, lá veio ela. E ao oferecer todo o meu apoio para que aquela sementinha vingasse, logo a mais nova, que estava com atenção 100% só pra ela, reverberou sua indignação.

Depois de chorinhos, discursos indignados e uma bela crise de tendinite aflorando no meu braço direito — como diria um dos meus irmãos: eu adoro a enxada, não gosto é do cabo dela — fomos salvas pelas cores do canteirinho que ficou bonitinho (espero que sobreviva) e pelo almoço preparado com carinho pelo nosso mestre Cuca.

Comi como uma foliã faminta e repousei como se tivesse bailado a noite toda. Viva o carnaval.

6 Comentários

  1. Ficou lindo o canteiro de pervincas! E me deu uma vontade de comer sagu! Tu escreve muito bem amiga, de uma maneira singela mas intensa, continue.

  2. Amiga querida, devorei cada palavrinha desde a tus primeira postagem é fiquei tranbordando de orgulho da tua iniciativa. Isso significa tanto! Estão aqui muitos dos nossos anseios de mudança nesse mundo que nada mais é do que o nosso cotidiano. Um dia por vez, e se o fizermos diferente, já é um mundo novo. Queria ter escrito antes. Quero um abraço quentinho pra comemorar esse blog tão simbólico. Quero seguir o teu exemplo e me entregar assim – tão plena, tão tu.

    Stelita, o teu canteiro já floriu!

  3. Fiquei relacionando o ensinamento da Monja sobre as circunstâncias com o comportamento da pré-adolescente que estava “aprisionada” na reclamação da tarefa. E este comportamento, quase que endêmico na sociedade, de reclamar das circustância é o que impede que possamos viver, “aprender com” e “superar as” circunstâncias.

    O blog está ótimo, uma grande ferramenta para mostrar os grandes valores que trazes contigo, relatatando situações cotidianas e associadas as inúmeras leitura que fazes. Com certeza, um momento de reflexão para os leitores 👏🏻👏🏻👏🏻 parabéns querida amiga!

  4. Quem planta flores, colhe amores. Nem sempre perfeitos mas , quem disse que somos perfeitos? Os espaçamentos são imprecisos, o quanto aprofundamos as raízes depende de fatores externos e das ferramentas de que dispomos. No final o que importa é que a energia vital prevaleça e materialize-se na beleza singela de um canteiro de flores.Amei as flores meninas serelepes.

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