Sou uma buscadora

Foi o que a terapeuta disse em nosso último encontro. Relatava o quanto venho me sentindo bem, em paz. Uma sensação de gratidão mais presente; a apreciação de pequenos momentos: os dias frios e ensolarados, as cores da feira de rua, o passeio com a filha mais nova, a vontade da filha mais velha de continuar se aninhando na minha cama. Pequenos milagres da vida cotidiana.

Ainda que me sinta excepcionalmente bem, questionei sobre minha inquietação em realizar coisas. Agora, um pouco diferente do que já foi ali atrás, quando ficava angustiada, insatisfeita com os pequenos e lentos passos dados. Mesmo que hoje lide melhor com “cada coisa a seu tempo”, sigo naturalmente, com essa necessidade da ação. “És uma buscadora”, foi o que ela disse.

Não que isso seja algum mérito ou elogio, porque buscadores, no meu entendimento, estão sempre em busca. O risco da frustração ser continua é enorme. Então, como manter o equilíbrio quando o mundo exterior — a realidade que nos cerca — não favorece um ambiente para a serenidade existencial?

Lendo o artigo do Eugenio Mussak para a Vida Simples, acho que encontrei uma reflexão interessante. Eugenio analisa as tirinhas do Calvin, uma criança de 6 anos, e a sua relação com Haroldo, um tigre. Calvin, olhando para o felino estatelado no tapete da sala, comenta: “Eles não têm ambições nem motivação. Não conquistam e realizam coisa alguma. Como justificam sua existência?”

Para Calvin, é impossível aceitar essa condição de total relaxamento e despreocupação com a vida. Na sequência do texto, Eugenio faz um relato de como nós, como espécie, temos essa necessidade angustiante de discutirmos o sentido da vida. Um sentido que, segundo ele, evolui para siginificado, causa, até chegar no famoso propósito.

Sobreviver já é complexo, o que dirá tentar entender o significado disso tudo. Já me peguei nesse julgamento, olhando para pessoas mais passivas, tranquilas com a sua condição e sem ambição alguma. Como podem se contentar e não querer evoluir?

Olhe para minha pretenção! O que é evoluir, meus queridos? O que sei eu sobre aquela alma e suas necessidades nessa existência? O que sei eu dessa humanidade e tudo que ainda teremos que passar, para chegarmos a uma convivência entre nós, com o planeta e conosco mesmo, minimamente mais elegante?

Chegar a esta conclusão não significa que, para mim, um ser movido pela inquietude, a solução seja deitar na rede e esperar. Certamente não foi esse o papel que escolhi. Mas as dores, as decepções, que por vezes me entristecem, não estão relacionadas ao fazer mas, sim, a minha necessidade de controle sobre os resultados, ou de reconhecimento; continuar realizando sem desejar colher o que planto, sem esperar que as situações, as pessoas, o mundo a minha volta, correspondam a minhas expectativas e apreciar a jornada, muito mais que o destino é o desafio.

Quero continuar realizando, com entusiasmo e esperança de que é possível estimular e apoiar as pessoas, trazendo a possibilidade de construção de uma consciência mais elevada nas relações organizacionais e sociais e promover a colaboração e o relacionamento mais afetivo e justo.

Talvez, este objetivo exija determinação e força, mas espero transformar esse meu “ser buscador” em alguém que queira encerrar essa jornada, apenas, virando pó e sendo eternamente esquecida.

Eu me importo

Oi, que bom que você está aqui! Vamos, vamos sentar aqui fora, ao ar livre. É mais seguro. Você trouxe seu chá? Ah, ótimo. O meu é de gengibre e cidreira. Tenho gostado de tomar chás naturais. O seu é de gengibre também? Foi com você que aprendi a gostar. Tinha até esquecido. Como você está? Sim, entendo. É difícil. No início parecia que seria mais fácil. Claro, lembro das suas caminhadas. Agora, neste inverno… Difícil mesmo porque anoitece muito cedo.

Ah, é verdade. Eu sei como você se sente. Uma gangorra. Horas em cima, horas bem embaixo. Certo, você está triste por esses dias. Algo com sua mãe, com seus filhos? Não, é com outras pessoas próximas! Eles pensam diferente é? E você os ama tanto. Você está dizendo que não entende como aquelas pessoas que tanto admira e ama possam pensar de uma maneira assim tão diferente, não é? É muito perturbador. Parece que vocês estavam no mesmo voo, animados para uma viagem, e quando pararam na conexão cada um pegou um avião para um lugar diferente?  Hahahahaha! Desculpe amiga. Eu sei que não é engraçado, mas por um momento imaginei você, assim, feito barata tonta procurando os parentes perdidos.

Tome mais um chá. Está ficando frio. Você trouxe o casaco? Pegue esta manta, protegerá as suas costas deste ventinho. Sente mais praquele ladinho. Tem mais sol. Como é bom admirarmos o pôr do sol, não é?

Você tem visto notícias? Ah não, amiga. Melhor não. Andam tão pesadas que depois do noticiário preciso lavar os ouvidos com álcool-gel. Sim, eu uso muito, e as máscaras também. Saio pouco, você sabe. Temos essa sorte. Trabalhar em casa. Temos conforto e um trabalho que nos permite esse resguardo. E os que não têm? Já pensou sobre isso? Dia desses estava ajudando a entregar alguns alimentos e um senhor me perguntou se podia pegar uma daquelas cestas. Era um homem trabalhador. Freteiro. Mulher e filhas. Estava sem trabalho e não tinha dinheiro para comprar comida. Me olhou e disse que a família não sabia dessa situação. Ele não tinha coragem de contar. Vi vergonha nos olhos dele. Perdeu a dignidade. Está muito triste querida. Tantos precisando. Eu sei que você também sente. Eu sei, minha querida. É uma mistura de preocupação com impotência.

Mas vamos mudar de assunto? Como andam suas dores na lombar? Ah, não diga que você é indisciplinada? Te vejo tão persistente com tantas coisas. Consegue sim. Retome sua fisioterapia. Você faz tantas coisas, amiga. Uma equilibrista de pratinhos. Não deixa nada cair no chão. Mas veja, até um vaso de ouro precisa de polimento. Não se negligencie. Você é tão importante para todos. Precisamos de você bem.

Onde? Ah, não tem problema. Ele lambeu minha xícara mas já tinha terminado. Os animais são mesmo especiais. Ele gosta de mim. Como assim, “desorganizada”? Por que você acha isso? Não entendo dessa forma. Você ainda é muito jovem. Tem muito a aprender, claro! Se viver até os 80, está com quase metade da vida pela frente. Eu acho incrível essa tua inquietude. Não vejo assim, que já deverias ter mais segurança sobre tudo o que vens estudando. Não diga isso. Compartilha, sim! Porque você acha que tudo precisa estar sistematizado, bonitinho e encadernado? Não diminua todos os teus esforços. Não se compare! Nenhum ser humano é insignificante. Você tem muito valor. 

Sim, eu sei, você atua em diversas frentes. Tem essa sensação de que está tudo incompleto? Você se lembra que me contou, que um dia leu sobre ter uma influência muito forte de Marte na sua vida? E que isso te dava força e ímpeto de plantar? E não necessariamente de colher? Claro, te entendo. Isso às vezes é frustrante. Mas vejo tua alegria com a novidade. Percebo tua vibração com qualquer assunto novo.

Ah, já está na hora. Que pena, amiga. Como gostaria de te dar um abraço. Te levo até o portão. Boa semana. Se fizer um bom dia de sol, vamos tomar mais um chá juntas. É sempre tão bom te escutar. Fique bem. Te amo.

WhatsApp Celestial

— Oi, como tu estás? Acordei hoje de manhã pensando em ti! A vida anda corrida, mas tô  louca pra tomar um café contigo e fazer uma “festa no closet” kkkkkkk… Só queria saber se tu estás bem e te dar um beijo. <3

Já fiz isso inúmeras vezes. Agenda apertada, sem tempo para telefonar ou “cometer” um encontro pessoal, a saída é um bom — e atual — WhatsApp.  São sempre tantas demandas… Difícil dar atenção a tudo, a todos. Alguns afastados geograficamente, outros pela montanha de afazeres diários.

Mas hoje, somente hoje, talvez eu ficasse feliz em ter que fazer uma atualização de aplicativo. Desde que fosse para ter um WhatsApp com upgrade celestial. Queria mandar uma mensagem eletrônica para Vanisse, minha amiga querida, que partiu há poucos dias. Um papo rápido, só aquela conversa pra aquietar meu coração. Diminuir a saudade, me certificar se está tudo bem. Se está gostando da nova fase, se conseguiu se adaptar, se tem alguém conhecido… Como será que é o ambiente? Será que está doendo ainda? Está conseguindo respirar?

Talvez a conversa não precisasse ser assim tão longa. Só uma resposta do tipo:

— Tá tudo bem amiga, fica tranquila.

Bah, seria tão bom!

Nem precisava ser aqueles áudios que eu adoro ainda ouvir. Contando o que tá fazendo, convidando pra alguma coisa. Contando um babado. Ou aquele check de look que eu sempre mandava pra ela. Foto na frente do espelho, de corpo inteiro:

— Que tu achas?

As respostas sempre eram uma análise não só sobre o look, mas sobre mim, meu perfil, o evento que eu estava indo. Uma consultoria de estilo amorosa e que sempre me transmitia muita confiança.

Enquanto essa atualização não chega, vou seguir revisitando nossas conversas, fingir que aconteceram agora há pouco. Vou rever seus comentários nos meus posts, reler os textos que ela escreveu no blog. Afinal pra que serve mesmo a tecnologia, né? Uma memória para nossa memória.

Algumas cenas, nos últimos tempos, fiz questão de fotografar na minha mente. Por exemplo, o dia em que fizemos um bolo juntas e, enquanto estava no forno, encostamos a cabeça no sofá, sentadas de ladinho, uma de frente para a outra, conversando olho no olho. Observei aquelas bochechas, sempre rosadas, a cor do olho vibrante, o cabelo ainda que ralinho continuava lindo. Ela era tão linda.

Antes disso, tenho a imagem de um dia em que foi lá em casa. Sentadinha comigo no jardim, perto do meu Buda, comendo um Burguer King e contando todas as providências e despachos que já tinha organizado para uma possível situação póstuma. Contava os fatos intercalando com as mordidas como se estivesse comentando sobre a organização de uma das tantas viagens que fez. Não era falta de sensibilidade, era uma visão prática. Uma mulher forte que, diante do desafio, fazia o que racionalmente precisava ser feito. Não paralisava pelo medo ou incertezas, disparava e resolvia o que tinha que ser resolvido.

A gente fez tanta coisa. A gente não fez tanta coisa que planejou.

Vou apertar bem meus olhinhos, pensar com muita firmeza, exercitar um poder de telepatia que não tenho e confiar que tu recebas essa mensagem virtual pedindo notícias. Espero receber uma resposta.

Falta de ar

faltadear

Ando sem fôlego. Minha respiração está curta. Curtíssima. Talvez um palmo do peito até o início do pescoço. O diafragma está paralisando. E não é só quando subo escadas, ou dou uma apressada. Não é também quando faço esforço. Poderia ser o calor, mas choveu, refrescou e ela continua curta. De tão curta parece que meus ombros se curvaram. Estou corcunda.

Fiquei aflita pensando nos motivos e quando eles surgiram — “poxa, poderiam ser inúmeros”. Poderia dizer que estou em sofrimento, só que não sou só eu: o mundo está em sofrimento! Não chega a ser grave e nem patológico, é só a vida e a constatação de que a gente fica triste. A gente sente fome, sono, faz sexo e também fica triste, às vezes por motivos sabidos, outras vezes por causas desconhecidas.

Acredito que quando essa tristeza vem e nos arrebata é porque a gente pode estar conectados com alguma onda de sentimentos que paira por aí. Semana passada foi o desastre de Brumadinho. Mesmo que eu tenha me reservado e focado minha energia e tempo não olhando tanto pra TV e nem para as notícias, mas procurando rezar por aquelas pessoas todas, não há como não ser atingido por uma avalanche de sofrimento e perda que pesam o ar que todos nós compartilhamos. O mesmo ar de Brumadinho, da catástrofe da Vale ou da rua e bairro em que acaba de acontecer alguma outra tragédia, é o ar que todos respiramos.

E o que deveríamos fazer quando nos damos conta de que estamos vivendo em uma teia interconectada, com acontecimentos e fatos causais e absolutamente incontroláveis? Seguir a vida simplesmente? Lamentar e tomar um café? Essa dor compartilhada que aperta nosso peito serve para quê, afinal?

O mundo está dividido entre os que acreditam que está tudo bem e temos que seguir assim de um lado e aqueles que não estão mais satisfeitos com o que se apresenta do outro. Ah, ok, tem alguns em cima do muro também. Mas todos — não preciso nem ser maga, bruxa ou adivinha —, absolutamente todos, estão em sofrimento. Temos males, dores, perdas, angústias, frustrações. Cada um com a sua forma e intensidade, mas unidos por alguma dor.

Mas e ai? Não deveria ser o amor a nos unir? Pois então, aí é que está a situação toda. A nossa “represa de resíduos emocionais” está prestes a se romper a qualquer momento.

Nos últimos meses, as polaridades políticas traziam o julgamento entre classe trabalhadora/produtiva versus classe operária/intelectual. Nessa batalha, quem ficou em cima do muro fui eu. Nem glamourizando a miséria e tampouco tornando divino quem emprega e produz. E, nessa tensão que leva às extremidades, aumentamos aquilo que corrói e fragiliza: seguimos focando e nos “unindo” pelas diferenças, raiva, julgamentos e falta de empatia. Todos farinha do mesmo saco. Seria ótimo estarmos juntos se os motivos fossem outros.

Estamos tão atolados em opiniões e dados contraditórios que quando me foco neles tenho dificuldades de tomar uma posição. Estamos desmatando muito ou pouco? Aposentadoria antes ou depois? Armas ou não? Se eu calar a minha voz, principalmente a minha tagarelice mental, tenho certeza que algumas respostas seriam óbvias. Se eu pensar com meu inconsciente, com meu poder intuitivo, único, verdadeiro, divino, encontraria as respostas. Mas seguimos lendo e vendo os fatos apenas com nosso olhar racional, imediato e raso ainda que tenhamos dados pesquisados em profundidade.

Se os dados e números fossem tão confiáveis, teriam os engenheiros de Brumadinho ido almoçar sossegados sabendo da possibilidade da barragem explodir? Será que tudo pode ser assim tão calculado? Se fôssemos apenas olhar para aquele mar de lama nada saudável, será que nosso coração ou nossa intuição não nos diria de imediato: fuja porque isso é perigoso? Por que a gente acredita tanto em dados?

A respiração da sociedade está curta porque está distante de si mesma. Estamos vendo, mas estamos cegos. A imagem está com véus. Precisamos parar tudo e voltar a alongar nossa respiração e reencontrar aquilo que nos mantém, de fato, vivos.

Vou voltar a respirar, fazer os exercícios que conheço e que minhas filhas já me alertam quando percebem que a coisa tá difícil — “Respira, mãe! Cheira a flor e assopra a vela”, elas dizem! Nem sempre é fácil, mas ninguém disse que seria. Estamos aqui para superar obstáculos.

Inspira e exala lento e beeeeeem devagar!

Fé e Medicina

Meu pai é um homem de muita fé. Um cara forte que enfrentou inúmeras dificuldades na vida. Um visionário daqueles que contagiava outros tantos com seus sonhos audaciosos.

Minha mãe, sempre leal companheira, arrastou os filhos, uma vaca para garantir o leite das crianças e as mudas de flores para iniciar o novo jardim logo que ele decidiu abandonar o pouco que tinham no interior do Rio Grande do Sul e se embrenhar pelo mato desbravando o oeste do Paraná.

“Foi um período de bravura”, nas memórias dele; “muito sofrimento”, nas lembranças dela. O fato é que os dois, aos 87 anos, estão aqui. Muitos sinais pelo corpo mas com sete filhos, 14 netos e 11 bisnetos. Segundo meu pai, sobrevivendo graças à fé e às 15 pílulas diárias.

Desde que eram crianças, até a vida adulta com a família que formaram, mantiveram a rotina pouco variável: muito trabalho de segunda a sábado e missa aos domingos. Sou a mais nova da família, mas tenho bem forte, nas referências da minha infância, a vida compartilhada que se vivia naquela comunidade no interior de Toledo (PR).

Eventos para arrecadar recursos para a igreja, construir ou manter a sede social. Ao final de cada culto ou missa, uma lista de convocados era proferida para ajudar nas próximas atividades da comunidade ou também para apoiar uma família que precisasse de auxílio em função de algum membro doente. Muito se fazia para o todo e sem questionamentos. Seu Henrique e Dona Etgele eram muito dedicados e devotos. Ao pai cabia o papel de “dirigente” no roteiro da liturgia. Já à mãe foi destinada a nobre responsabilidade de lavar, passar e engomar a roupa do padre.

Seguiram assim os 49 anos os quais viveram em São Roque da Lopei. Filhos criados, e com quase todos os sacramentos, talvez imaginassem que restariam ali até o final dos seus dias. Mas, seguindo a seu comportamento destemido, não pensaram duas vezes quando os filhos, que os acompanhavam nos negócios da família em Toledo, decidiram deixar o que tinham e iniciar nova vida no desconhecido Norte do Brasil. Assim, aos 73 anos, dessa vez seguindo seus filhos, deixaram o que construiram e foram novamente em busca de uma nova vida em Palmas, no Tocantins.

Distante da comunidade original, Seu Nesello e Dona Etgele mantêm sua fé, acompanhando alguma missas e recebendo, vez que outra, as sempre bem-vindas visitas do padre. Mas, diariamente, ambos fazem suas orações e acompanham as missas da Rede Vida (bênção da tecnologia). Ele, devoto de Santo Antônio, ela fiel à Nossa Senhora da Salete. Sempre que posso acompanho meu pai nas orações diárias a Santo Antônio. Não só casamenteiro, o santo “Tonico” assumiu várias outras pastas no ministério geral deste mundão. São muitas outras atividades milagreiras. Entre elas, ajuda meu pai e a família toda a encontrar coisas e objetos perdidos. Só por essa última tarefa já merecia um templo!

Ontem, antes de rezarmos, meu pai me disse:

— Graças a ele (Santo Antônio) e à Medicina, ainda estou vivo!

O livrinho surrado é o guia da rotina de devoção. Algumas Ave-marias, intercaladas com textos do livrinho, depois toda a ladainha para então o encerramento com mais três Ave-marias finais para Nossa Senhora da Boa Morte.

— Quinze minutos pelo menos — me previne sempre que me candidato a acompanhá-lo.

Antes de iniciarmos o ritual, ainda complementa:

— Não tenho hora pra fazer minha filha, mas faço todo dia. Sabe como eu sei se já rezei ou não? — balanço a cabeça manifestado o meu desconhecimento.

— Coloco ele — apontando para Santo Antônio — na beiradinha ao fundo da mesinha de cabeceira todas as noites antes de dormir. Quando rezo, puxo-o para frente. Se ao deitar ele não estiver na frente da mesinha sei que ainda não rezei.

Fizemos todas as rezas como de costume e, ao final, após as três Ave-marias para Nossa Senhora da Boa Morte, ele me confidencia:

— Me ensinaram que, se rezar três Ave-marias para Nossa Senhora da Boa Morte, o vivente garante que vai pro céu. Eu já tô com meu passaporte garantido! — disse.

Rimos juntos e, quando fui me levantando, proferiu uma frase em italiano que adora repetir, cuja tradução quer dizer:

— Vamos nos encontrar enquanto estivermos vivos, porque depois não sabemos do nosso destino.

— Ué?! — perguntei, com cara de espanto — mas o senhor não disse que está com passaporte garantido pro céu?

— Eu, sim! — respondeu com uma risadinha e uma piscadinha de olho.

Melhor eu seguir rezando as três Ave-marias para a “Senhora da Morte”. Não quero perder, por nada, esse reencontro.

Confessionário feminino

Confesso que pequei. Claro, como todo momento de falha do caráter humano, estava frágil.
Problemas com a autoestima, cansada, vida corrida e sem tempo para pensar em mim.

Quando surgiu a oportunidade, fiquei receosa e insegura. Liguei para uma amiga. Ela me tranquilizou, disse que seria rápido e que me faria muito bem. Encorajou-me — com ela havia ajudado inclusive no relacionamento em casa.

O primeiro passo era marcar. Não queria que ninguém soubesse. Retirei-me estrategicamente para um canto mais calmo do trabalho e, quase sussurrando ao telefone, liguei para marcar.
— Espaço Mulheres Fúteis, bom dia? — disse a voz do outro lado da ligação (mudei o nome do espaço para proteger inocentes; ou culpados).
— Oi. Eu gostaria de marcar um jet bronze — falei quase cochichando.
— “Jet bronze”?! — A mulher gritou do outro lado. Por que quando pessoas estão com dificuldade em ouvir aumentam o tom de voz?
— Isso! — respondi já suando e quase me arrependendo.

Logo que expliquei a situação veio toda a etiqueta do procedimento. Se quisesse “lacrar” no bronze precisaria fazer o banho dourado um dia antes do evento. Só que a festa era no dia seguinte, um sábado. Além disso, a pele precisaria ser preparada com uma esfoliação corporal (tive que fazer consulta no Google e concluí que bastava dar aquela boa esfregada com a esponja pelo corpo). Depois do jet, para manter o bronze, era necessário 8h sem banho. Ou seja, correria, porque o assunto deveria ser resolvido naquele mesmo dia.

— Ah! E é importante vir com uma roupa bem folgada para não marcar porque o produto continua fazendo efeito algumas horas após a aplicação — completou a mocinha, já percebendo o grau da minha inexperiência. Imaginei-me na hora com a tatuagem de uma regata colada à pele.

Bem, como qualquer atitude às escondidas, precisei fazer várias manobras. Tive que correr em casa, tomar um banho daqueles, e correndo — quase me rasguei na esfregação!
O ideal seria ter cúmplices para aqueles 20 minutinhos off. Não sei por que me deu isso na telha. Não há cúmplices melhores do que as filhas, certo? Peguei as duas na escola. Logo fui explicando a situação.
— Vocês vão comigo, mas não podem contar nada para ninguém, ok? É coisa de mulher.
As duas, que não estavam acostumadas com a mãe tendo uma atitude dessas, ficaram me olhando com caras muito desconfiadas.

Chegamos e fomos conduzidas até o equipamento. Nesse momento eu já estava achando graça de toda a situação.
Antes do espetáculo, o ensaio. A esteticista me mostrando e eu repetindo as poses que eu precisaria fazer para garantir um bronze parelho, arrancaram gargalhadas minhas e das gurias. É impossível descrever, mas eu imagino que uma dança indiana possa conter alguns dos movimentos que precisei reproduzir.

“Hora de entrar na máquina!” Eu só ouvia os comandos que a moça gritava do lado de fora. Me senti passando por um lava a jato: “fecha os olhos!”; “agora joelho direito dobrado!”; “mão direita aberta pra frente!”; “braço esquerdo esticado e para trás!”; “isso, muito bem!”. Palavras de incentivo são sempre muito boas, principalmente quando você está se sentindo uma imbecil. “Pronto, outro lado!”; “inspira e tranca a respiração!”; “ótimo!”; “agora vira pra frente!”;.”pro outro lado!”; “deu!”.

Saí e dei de cara com o espelho. Eu estava pintada. Ainda dava pra ver os pontinhos de tinta que não haviam penetrado e se espalhado direito. Coloquei o vestido soltinho com todo o cuidado. Agora que tinha feito, tinha que preservar o resultado. As meninas balançavam a cabeça de um lado pro outro, bem no estilo mãe-que-mico.

Saímos para comer um pastel. Nenhum comentário do marido. Ótimo, pensei, deve estar natural. Se eu estivesse com uma cara de cenoura ele certamente teria indagado. No dia seguinte o resultado ficou ainda melhor. Almoço na sogra e alguém reparou:
— Stela, tu parece mais bronzeada.
— Eu? Não. Impressão tua — morrendo de vergonha de reconhecer a minha atitude mulherzinha.
Não sei o por quê, mas tenho dificuldades em usufruir desses recursos. Claro que gosto de me sentir bonita, mudar o visual. Sou suficientemente vaidosa. Mas sempre fui resistente aos artificialismos.

A festa estava ótima, a luz lusco-fusco não deixou ninguém perceber o resultado do bronze. Mas eu estava curtindo. Aquela sensação de algo que só tu percebe, mas que preserva a autoconfiança.

Se tem mais alguma coisa que eu faça às escondidas? Sim, já experimentei botox. Mas isso eu conto outro dia.

É de amizade que quero falar

Sobre a Arte de Viver“, do filósofo Roman Krznaric, aborda, entre outros temas, os diferentes tipos de amor. Na Grécia antiga, esse sentimento tão amplo não era limitado a um único padrão de manifestação. Achei a categorização libertadora e honesta, ajudando a liberar aquele “eu te amo” quando sentimos algo tão intenso por alguém que não é a pessoa com a qual temos um relacionamento afetivo, filhos, pais ou irmãos. São seis tipos, segundo o que o autor descreve. O amor philial é o tipo de amor que versa sobre a relação entre amigos.

Costumo dizer sempre “eu te amo” aos amigos pelos quais eu nutro esse sentimento. Alguns deles, com quem tive uma vivência muito intensa e importante, não estão fisicamente próximos. Minhas amigas de infância são um exemplo disso. E acho amizade de infância extremamente transparente. Talvez porque a relação tenha acontecido naquele momento da vida em que o ego ainda está querendo ser gente. Quem te conheceu criança, sabe das tuas raizes, de onde você veio, conhece tuas brincadeiras, tuas manias e todas as encrencas familiares que hoje você trata com o terapeuta ou na busca pelo autoconhecimento; sentiu teu chulé, participou do primeiro porre, sabe quem foi tua primeira paixão, te ajudou a estudar matemática, esteve com você na primeira balada, no primeiro show e ouviu os primeiros segredos que você ocultou da sua mãe.

Não adiante fazer pose, contar vantagem, dizer isso ou aquilo. Seu amigo de infância vai te olhar e saber, exatamente, se você é ou não é aquilo tudo que está tentando dizer. Também saberá reconhecer o quão legítimo você está sendo nas tuas novas escolhas, caso esteja diferente do que foi quando era criança.

E se quando vocês se encontrarem, mesmo tendo passado muito tempo sem se ver, souberem reconhecer a criança interna que  ainda habita seus corações, poderão sentir, exatamente, a inspiração que aquele amigo continua te gerando. Um reconhecimento que tem a mesma magia de quando vocês brincavam juntos, conversavam por horas as filosofias e angústias juvenis, ouviam música, estudavam, reclamavam da escola, compartilhavam sonhos românticos, ou simplesmente, não faziam nada. Mas sempre juntos.

Mesmo que a vida tenha dado os destinos que cabiam a cada um, quem abastece uma amizade de infância com cuidado e afeto sabe que não está só. A gente passa pelas mesmas fases juntos. A dos 15, 20, a dos 30, a dos 40 e todas as demais que virão. Deixamos de ser meninas, ganhamos uma profissão, casamos, viramos mães, amadurecemos, temos novas e outras questões sobre o mundo.

As dicas mudam de tema mas o apoio permanece. No início, a brincadeira do momento, depois, a música e a banda da moda, as influências estéticas e culturais. As dicas de viagem, de restaurante, o apoio às questões e aos desafios profissionais; a brincadeira séria de ser mãe de verdade e os primeiros cuidados com os filhos. Seu amigo de infância sempre tem muito para oferecer. E, incrivelmente, é sempre algo que tem a tua cara!

Esse final de semana, tive a oportunidade de reviver uma amizade assim. Menos de dois dias juntas, mas de uma forma muito especial. Me senti de novo a Stela lá de Toledo no Paraná, amiga da Alessandra Pancera. Que sorte a minha por ter amigas que gostem e participem dessa brincadeira maravilhosa de ser amigas pra sempre.

Empresários: santos ou vilões?

09.14-Como-Administrar-uma-Pequena-Empresa-Cinco-procedimentos-para-o-Sucesso-01

 

Vamos brincar que somos empresárias? Alice, minha filha de 7 anos, toda empolgada convidando uma amiguinha da mesma idade a começar um novo jogo.
“Xiii, lascou” – pensei.

Não sei você, mas acho que todo pai ou mãe sonham que seus filhos sigam sua trajetória e sintam-se realizados nas suas escolhas. Ser empresário não tem nada de ruim, toda e qualquer profissão é bacana e valiosa. Mas, por ser empresária, já conheço as dores e sabores dessa escolha.

Ainda na faculdade, defini abrir uma agência de propaganda com meus colegas. Eles eram muito talentosos e eu era, digamos, animada. Tudo fluiu de uma forma que não imaginávamos. Nosso plano era de um negócio passageiro que acabou ficando sólido e gerando frutos. Casamos, tivemos filhos, funcionários. A empresa aumentou e as responsabilidades também. Em um determinado momento reconhecimento não era mais tão relevante. Ganhar prêmios já não nos motivava – aliás nunca chegou a ser nosso grande motivador. Grana não chegou a sobrar, mas logo percebemos que abdicar de momentos com a família ou da nossa escolha de estilo de vida não compensaria em nome dos lucros.

E aí? Afinal, para que a nossa empresa existia? Apenas para promover produtos e mais e mais consumo? Isso não fazia sentido. Pessoalmente, iniciei uma busca por algo que desse mais significado a minha existência e, em paralelo, com meus sócios, nos dedicamos a entender de que forma poderíamos fazer do nosso sagrado ofício algo que fosse relevante.

A minha principal descoberta foi a espiritualidade. Nada relacionado à religião, mas àquela percepção de que existe algo intangível que não está sob nosso controle e que atua em nossas vidas. O merengue misturado no chocolate quente. Ops! para não desandar esse merengue, é melhor não aprofundar muito esse assunto. Melhor sentir.

De qualquer forma, percebemos que para continuar tendo resultados reais para as empresas e marcas para quem trabalhávamos, e para nós mesmos, precisávamos fazer algo diferente. Essa percepção, mesmo que inconsciente, vem de sempre. Porém, há cerca de quatro anos, objetivamos melhor esse propósito, e mesmo sabendo que estamos só começando já nos sentimos bem mais confortáveis com nossas novas escolhas.

As pessoas estão insatisfeitas. O modelo tradicional de relação corporativa com seus clientes, funcionários e fornecedores está chegando próximo de um colapso. As pessoas estão cansadas, com muitas dores e reprimindo diariamente uma dose mortal de emoções. A conta disso tudo acaba recaindo sobre as empresas, muitas porque ainda não despertaram para essas mudanças e outras, que até gostariam de experimentar novos formatos, porque não têm referências pra isso.

Há algumas semanas assisti a palestra “Spirituality meet Business”, com o Gustavo Tanaka. O evento foi em um auditório da UFRGS e tinha mais de 100 ouvintes, todos sedentos e aparentemente compartilhando dos mesmos dilemas que o palestrante passou na vida. Com apenas 30 anos, Gustavo, a exemplo de tantos outros jovens, já percebeu que o modelo vivido por seus pais já não serve mais. Estudar, conseguir um bom emprego, casar, ter filhos e permanecer assim até o final da existência não fez sentido. E esse sentimento fez eco para muitos dos que estavam ali presentes e para milhares que compartilham e seguem o Gustavo e sua trajetória nas mídias sociais.

Tanaka é um dos fundadores da Baobba, uma empresa livre e sem hierarquias. As pessoas que trabalham lá têm liberdade para aderir a outros projetos fora do trabalho e a fazer seu próprio horário. Gustavo falou em fluxo, e que percebeu uma grande diferença quando deixou de lado as coisas que demandavam esforço intenso. A partir daí, outros projetos passaram a fluir melhor. Não que isso signifique deitar numa esteira e tomar água de coco, mas entender que determinadas demandas absorvem a nossa energia e trazem poucos resultados. É aquela velha história de deixar ir aquilo que não te pertence.

Como a vivência da empresa livre ainda é muito recente, não dá pra dizer se é um modelo bacana a ser experimentado. Pessoalmente, acredito que a hierarquia é uma condição que o ser humano sempre colocou nas suas relações sociais. Mas a liberdade de horários baseada em um exercício de confiança e a possibilidade de membros da equipe absorverem projetos externos me pareceu bem interessante.

Uma outra fonte de inspiração é um dos livros mais bacanas que li recentemente: Capitalismo Consciente. O livro incita as empresas a buscarem um propósito para sua existência. Não apenas um slogan ou conceito publicitário. Algo que demonstre a intenção de seus fundadores, estimule os funcionários, dê motivação a todas as partes envolvidas no negócio, transmita verdade na comunicação e em todos os pontos de contato e, por consequência, gere respeito e possível identificação dos consumidores. Esse livro foi recomendado por um dos empresários símbolos do capitalismo nacional e tem como um de seus autores outro do setor varejista americano, dono de uma cadeia de lojas de supermercados e que, pasmem, pratica meditação, yoga e é vegetariano. Parece até que empresário também tem coração, gente?!

Incrivelmente, percebo que vários caminhos e novas experiências estão surgindo. Há menos de três anos, não ousaria falar em público sobre coisas assim. Mas quando muitos exemplos pipocam por todos os lados é um importante sinal.

Já está mais do que claro que não suportamos mais as instituições, o governo, a política existente ou até mesmo as relações afetivas da forma como conhecíamos até uma década atrás. Estamos todos em busca de novas alternativas que possibilitem um aprendizado das vivências futuras que gostaríamos de ter. E isso, inegavelmente, precisa passar por um olhar e uma mudança dentro de cada um de nós. Olharmos quem realmente somos, e o que nos deixa felizes de forma genuína. Se as nossas empresas são o lugar em que passamos a maior parte de nossas vidas, seria um belo ambiente pra inciar essa mudança, não?

Que a mudança é necessária, é óbvio. Certamente, ainda não descobrimos a forma. Ontem mesmo, disse que me sinto uma capitalista para líderes de movimentos sociais e uma sonhadora para os capitalistas. Talvez um dos caminhos para definirmos um novo formato para as empresas é nos perguntarmos qual é o sonho que está por traz de cada um de nós, o que nos motivou a abrir essa empresa e o que gostaríamos que o mundo sentisse por ela caso amanhã ela deixasse de existir.

Talvez nem todos mereçam a santidade ou a condenação, mas acredito naqueles que estão verdadeiramente em busca da sua essência de empreender em prol de um mundo melhor.

Conselho dos astros: não seja mãe

IMG_3166
Dna Etgele: a melhor mãe do mundo Aprovada por toda a galáxia.

Aparentemente, não nasci para a maternidade. Pelo menos foi o que os astros disseram. Ou melhor, essa foi a interpretação que uma astróloga fez sobre meu mapa.

Nunca gostei muito de adivinhações, mas astrologia é uma ciência. Algumas amigas tinham me falado dessa profissional que era “quente”; acertava na lata. Então, quem seria eu pra deixar de dar sorte ao azar? Marquei uma visita. O lugar, como típico na época, sem o glamour que essas atividades já tomaram há alguns anos, era láááááááá pro fim de uma ruazinha, numa casa muito simples e com numeração acanhada. Eu, sempre desconfiada, fui entrando um pouco sestrosa. A moça era bacana, uma pessoa normal. Pelo menos não tinha turbante na cabeça. Contratei o trabalho e voltei depois de alguns dias para entender o que afinal estava destinada a cumprir neste mundo.

A moça falou, falou, falou por um bom tempo, mas na minha mente não ficou nada registrado além da seguinte frase: “é melhor tu não ter filhos”. Paralisei. Na época, eu deveria ter uns 25 anos e nunca havia passado pela minha cabeça não ser mãe. Logo veio o questionamento: por quê? “Tu és uma pessoa muito independente, livre. Ter filhos fará com que carregues sempre um sentimento de culpa.”

Não estava escrito no meu mapa que eu não deveria ser mãe. Ela fez um julgamento e concluiu tacitamente que eu não serviria para a função. Tipo RH em seleção para emprego. Sai contrariada e certa de que aquilo não mudaria meus planos de construir uma família no futuro.

Mas como uma maldição, essa lembrança acaba voltando vez por outra. A astróloga acertou muito quando disse que sou livre, curiosa, inquieta. Sou movida por desafios, por conhecer o novo. Se fosse preencher minha autoavaliação de mãe, acho que rodaria em vários quesitos. Não sou boa na cozinha, esqueço de alguns compromissos escolares das meninas (aniversários de colegas, a data para mandar o dinheiro para comprar o presente para o Dia das Mães), não ligo três vezes por dia para casa pra saber se está tudo bem… Na verdade, só ligo quando estão doentes. Não levo e nem busco todos os dias na escola. Também sou eu que viajo com mais frequência do que meu marido e me ausento mais dos almoços. Parte disso é porque meu trabalho exige que eu faça mais viagens. Outra parte é porque eu gosto muito do que faço.

Claro que toda vez que preciso ficar alguns dias fora de casa, seja para fazer uma viagem a trabalho ou um curso que julgue importante para meu desenvolvimento, meu coração dói. Dói tanto que o peito parece que arrebenta. Uma amiga querida descreve muito bem essa sensação, quando diz que a pior parte é sair de casa. Depois a gente se entrete com o mundo.
Incontáveis são as vezes que me questiono se estou fazendo a escolha certa. Tive uma mãe que se dedicou 100% aos filhos. Mas também foi e é um exemplo de mulher batalhadora que, mesmo na sua época, buscava ter os recursos para sua independência. Podia ser com a venda do leite das vacas que criava e cuidava, ou com o queijo que fazia e atraia compradores de toda a região. Minha mãe, como uma boa gringa, logo que minha filha mais velha nasceu, esteve aqui em casa e disse: a babá cuida melhor dela do que tu. E cuida mesmo. A Silvia está conosco há 15 anos e cuida de nós como minha mãe cuidaria se estivesse aqui.

Sempre que as minhas filhas olham para mim nos olhos e perguntam: quem é a melhor mãe do mundo? Eu respondo sem dúvida alguma: a minha! Mesmo que protestem dizendo que sou eu a melhor mãe do mundo, sei que não há melhor do que a minha. E se eu não consegui ser como ela, bem eu estou tentando ser a melhor mãe possível. Administrando todos esses meus eus internos. Porque sei que o maior, o maior mesmo (e só quem é, sabe disso) presente do mundo é ser mãe. E eu sei também que Deus nos deu essa oportunidade para que experimentássemos um sentimento que deveríamos ter por qualquer ser humano. Esse amor incondicional e de pura entrega.

Então, vamos lá fazer esse mundo girar, trabalhar com propósito e gerando recursos porque estou sabendo que vou ter que gastar uma bela grana com analista para minhas duas princesas.

Empatia: aprendendo a calçar o sapato alheio

  1. canstockphoto19862866

Quantas vezes a frase “faça aos outros o que gostaria que fizessem a você” não foi usada para demonstrar como deveria ser nossa cortesia em relação a outrem? Essa frase clássica é conhecida como a “regra de ouro”.

Foi no meu processo de investigação para desenvolvimento do artigo científico sobre empatia nas relações corporativas que fui apresentada à regra de prata: faça aos outros o que eles gostariam que fizesse a eles. Grande diferença!

Então, antes de saber se você está disposto a calçar o sapato alheio é melhor se perguntar: consigo abrir mão dos meus julgamentos para me colocar no lugar de outra pessoa? Toda vez que nos convidam a tentar calçar o sapado dos outros, como exercício da nossa empatia, precisamos saber que aquele sapato não nos pertence e encará-lo realmente como se vivêssemos a vida de outro personagem. Quais seu sistema de crenças, sua cultura, seu modo de vida, seus valores? É uma viagem para dentro de alguém. E pra que isso aconteça de maneira plena é preciso um tanto de generosidade. De fato, esse exercício é mais fácil quando tentamos nos colocar no lugar de uma pessoa querida, alguém com quem tenhamos vínculo afetivo ou alguém que esteja passando por uma situação que já vivenciamos do que com alguém que tenhamos diferenças ou uma pessoa do outro lado do mundo com quem nunca tivemos contato.

Para perceber essa diferença basta fazer um exercício: feche os olhos por um instante e tente se conectar com uma pessoa querida. Pense como ela se sentiria se estivesse passando frio por exemplo. Agora imagine uma pessoa que você conhece mas que não tem muito contato passando pela mesma situação. Tente agora uma pessoa com quem você tem dificuldades de relacionamento. As três, sentindo frio, qual delas você consegue sentir mais presente a sensação e imaginar o que está lhe passando pela cabeça, quais são suas dores e suas preocupações?

Pesquisas feitas com animais demonstraram também que o sentido mais sensível à manifestação empática é a visão. Ao vermos alguém, podemos nos conectar melhor com suas emoções do que apenas ouvindo, por exemplo.

A empatia é um tema muito sedutor. Ela não é uma emoção mas um comportamento causado pelas emoções. E não significa a sensação de piedade ou compaixão. É possível ter empatia por alguém que sente raiva, ou entrar em euforia com alguém explodindo de alegria. Posso ter empatia por uma pessoa que tem o pensamento completamente contrário ao meu e, inclusive, não concordar com ele, mas entender exatamente aquela pessoa e sua atitude dentro da sua visão de mundo.

Paul Ekman define 3 formas de empatia: na empatia cognitiva identificamos o que o outro sente, na empatia emocional sentimos, de fato, o que o outro está sentindo. Já na empatia compassiva, queremos ajudar o outro a lidar com sua situação e com suas emoções. Quando alguém utiliza a empatia cognitiva, sem nenhum envolvimento emocional, pode significar que quer apenas tirar algum proveito da fragilidade de seu interlocutor.

No artigo que dissertei identifiquei que os humanos manifestam empatia com os colegas em um ambiente cooperativo, mas mostram-se insensíveis em relação aos competidores. Quando somos tratados com hostilidade, demonstramos o contrário de empatia.

No mundo corporativo, por anos influenciado por uma interpretação simplista do pensamento evolucionista afirmando que este pregava apenas a relevância do mais forte, o mais inteligente, a era da empatia veio para esclarecer que a adaptação social e o relacionamento também são essenciais para a sobrevivência.

Estamos fazendo a transição para o homo empathicus, que já havia sido percebido por Adam Smith (sim o mesmo autor de A Mão Invisível). Ele dizia: “por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente, há alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte dos outros e considerar a felicidade deles necessária para si mesmo, ainda que nada extraia dela senão o prazer de contemplá-la”.

Se colocar no lugar do outro com entrega e generosidade é um exercício. Bem difícil de se fazer de maneira inicial e sem julgamentos . Mas como qualquer exercício, precisa de prática para ser aprimorado.

Tente fazer uma viagem para dentro do universo de alguém, pelo menos uma vez por dia. Você vai se surpreender com as transformações que isso pode trazer a tua sensibilidade e compreensão. E além disso você leva de brinde uma sensação de bem-estar que pode ser ainda mais benéfica à você do que ao dono sapato.